Jeferson Miola •  Internacional •  13/02/2022

A eleição em Portugal e a federação partidária no Brasil

Existem dúvidas e incertezas em relação à federação partidária, uma vez que é um dispositivo novo no sistema político-eleitoral brasileiro. Por outro lado, deve-se considerar que é um experimento diferente e que poderá trazer surpresas positivas para o desempenho eleitoral das esquerdas.

A eleição em Portugal e a federação partidária no Brasil

A eleição parlamentar ocorrida em Portugal neste domingo [30/1] ilustra a importância que a federação partidária pode ter para partidos de esquerda que lutam para superar a cláusula de barreira, como o PCdoB e o PSOL.

Os partidos que não conseguirem superar a cláusula de barreira, também chamada “cláusula de desempenho eleitoral”, terão prejuízos consideráveis, porque não receberão recursos do fundo partidário e não terão acesso gratuito de propaganda partidária e eleitoral no rádio e na TV.

O artigo 17 da Constituição, cuja redação foi alterada pela Emenda Constitucional nº 97/2017, prevê duas possibilidades difíceis para os partidos superarem a cláusula de barreira:

  1. obtendo no mínimo 3% dos votos válidos para a Câmara dos/as Deputados/as em pelo menos 9 estados, com desempenho mínimo de 2% dos votos válidos em cada estado; ou
     
  2. elegendo no mínimo 15 deputados federais distribuídos em pelo menos 9 estados.
     

Na eleição de 2018 o PSOL elegeu 10 deputados federais por 5 estados, ao passo que o PCdoB elegeu 9 deputados federais por 7 estados – desempenhos muito aquém da cláusula de barreira. Além disso, não atingiram o mínimo de 3% dos votos válidos para a Câmara em 9 estados e 2% nos demais, conforme determinado na Constituição.

Concorrendo sozinhos nas eleições legislativas, PCdoB e PSOL terão enormes dificuldades para conseguirem superar a cláusula de desempenho eleitoral. Como a legislação atual proíbe coligações partidárias para cargos proporcionais, ou seja, nas eleições de vereadores, deputados estaduais e federais, resta a possibilidade de constituição de federações de partidos políticos, novidade recentemente aprovada pelo Congresso.

A federação partidária – Lei 14.208/2021 – representa a união de dois ou mais partidos políticos para disputarem juntos a eleição proporcional como se fossem uma única agremiação partidária, porém preservando a identidade e a autonomia organizativa de cada partido que a integra.

A federação obrigatoriamente terá abrangência nacional e duração mínima de 4 anos. Neste período, os partidos devem observar critérios de disciplina e de fidelidade partidária à luz de um programa comum.

Os votos nominais dos/as candidatos/as proporcionais, bem como os votos destinados a cada legenda integrante da federação, são somados. Com isso, o bloco de partidos melhora o desempenho eleitoral pois atinge maior quociente eleitoral e, consequentemente, aumenta a possibilidade de eleger bancadas mais numerosas.

A definição dos/as eleitos/as pela federação partidária observa a ordem de votação nominal [individual] – os/as mais votados/as preencherão as vagas legislativas conquistadas.

Evidente que a federação de partidos políticos não é garantia automática de que, com ela, o PCdoB e o PSOL superarão a cláusula de barreira, mas a competição isolada de cada partido na eleição de outubro próximo tampouco garante isso.

Na eleição deste ano, em que a candidatura Lula exerce extraordinária força de atração gravitacional, aquelas candidaturas do PCdoB e do PSOL que obtêm excelente votação, mas não são eleitas por falta de quociente eleitoral, podem conquistar vagas na Câmara se estiverem integradas à federação partidária.

Na eleição portuguesa ocorreu um fenômeno semelhante, em que o Partido Socialista conseguiu catalisar o temor do eleitorado do país com a possibilidade de uma disputa renhida com a extrema-direita, como mostravam as pesquisas de opinião.

O resultado foi uma espécie de voto útil, com o povo português votando maciçamente no Partido Socialista, conferindo-lhe a maioria absoluta de 117 dentre as 230 cadeiras. O Bloco de Esquerda, por outro lado, mais além das escolhas políticas na oposição ao governo, ficou espremido pela polarização entre o centrismo e a extrema-direita. Apresentando-se avulsamente na eleição, perdeu 14 das 19 cadeiras que tinha no parlamento.

Existem dúvidas e incertezas legítimas e pertinentes em relação à federação partidária, uma vez que é um dispositivo novo no sistema político-eleitoral brasileiro. Por outro lado, deve-se considerar que é um experimento diferente e que poderá trazer surpresas positivas para o desempenho eleitoral das esquerdas no seu conjunto.

Além de cumprir uma função relevante nesta conjuntura desafiadora e complexa por meio da eleição de uma bancada numerosa para a sustentação do futuro governo de salvação e reconstrução nacional com Lula, a federação também pode ser um ensaio para a formação de uma frente permanente de esquerda no Brasil.

A eleição portuguesa trouxe justificadas razões para que seja feito um esforço político prioritário neste sentido.


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